A Emenda Constitucional nº 132/2023 e a Lei Complementar nº 214/2025 representam um marco na história tributária brasileira. Com a substituição gradual de tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS pelo IBS e CBS, o país inicia uma transição para um sistema de tributação mais racional, baseado no consumo, com foco na não cumulatividade, na transparência e na competência compartilhada entre os entes federativos.
Um dos pontos mais sensíveis da nova legislação diz respeito ao regime específico para combustíveis e biocombustíveis. A Constituição, com a nova redação dada pelo art. 156-A, § 6º, e a LC 214/2025, estabelecem que o IBS e a CBS incidirão uma única vez sobre a cadeia desses produtos (regime monofásico), com alíquotas uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto.
Entre as alterações mais relevantes está a previsão de alíquotas reduzidas para os biocombustíveis em comparação com os combustíveis fósseis — medida voltada à promoção de sustentabilidade ambiental. No entanto, essa diferenciação cria efeitos tributários relevantes para o setor de transportes e para todos os tomadores de serviços logísticos, ao influenciar diretamente o direito ao crédito.
A LC 214/2025 veda o aproveitamento de créditos de IBS e CBS nas aquisições de combustíveis destinadas à revenda, distribuição ou comercialização, justamente porque a tributação já ocorre de forma concentrada na origem da cadeia. Em contrapartida, garante a apropriação de créditos quando os combustíveis forem adquiridos para consumo direto na atividade econômica — como no caso de transportadoras que utilizam o insumo para operar suas frotas ou indústrias que o utilizam em seus processos produtivos.
Essa distinção revela um novo dilema tributário para quem contrata transporte: optar por uma frota movida a combustíveis renováveis, com menor custo imediato mas também menor geração de crédito, ou por uma frota movida a combustíveis fósseis, com maior custo, mas créditos tributários mais expressivos.
A título ilustrativo, se a alíquota combinada de IBS e CBS for de 28% para combustíveis fósseis e 11,2% para biocombustíveis, haverá impacto direto na capacidade de aproveitamento de créditos pelo tomador. Empresas com alta exposição fiscal e estrutura eficiente de compliance poderão preferir transportadoras com maior geração de crédito, mesmo com preço mais elevado. Já empresas com menor aproveitamento de crédito podem optar por frotas mais baratas, priorizando o custo imediato.
Nesse cenário, fatores como preço do combustível, eficiência da frota, perfil do tomador e até mesmo posicionamento ambiental ganham relevância na equação contratual. A reforma, embora promova simplificação, impõe ao mercado decisões mais técnicas e estratégicas do ponto de vista fiscal e econômico.
O setor de transporte, responsável por mais de 70% da logística nacional, sentirá esse impacto de forma direta. A estimativa é que o custo do frete aumente até 10% com a nova carga tributária, exigindo das transportadoras ajustes na precificação e nas estratégias operacionais. Algumas podem se especializar em atender empresas que priorizam créditos. Outras, em oferecer o menor custo de serviço.
Apesar dos desafios, o novo regime traz avanços estruturais: a simplificação da tributação sobre combustíveis, a eliminação de distorções na arrecadação interestadual, a padronização de alíquotas por unidade de medida e a adoção plena da não cumulatividade no consumo produtivo.
A diferenciação de alíquotas entre combustíveis, apesar de alinhada a objetivos ambientais, introduz um novo nível de complexidade que exigirá das empresas mais do que adaptação: será preciso análise contínua, planejamento e, principalmente, compreensão técnica das novas regras do jogo.
O desafio está posto. E como em toda boa reforma, não basta entender a teoria — é preciso aprender a operar no novo sistema com segurança, estratégia e inteligência fiscal.